Voz en el desierto - lobos lamiendo la indiferencia


Ya no estaba seguro
Después de todo ¿para quién escribir versos?
Ah, mis versos, estos lobos hambrientos
Siempre un lamer de indiferencia

Un libro que desempeña en una esquina
Un pensamiento oculto entre los objetos
En una palabra u otra
En medio a una multitud de silencio

Los poemas no son revolución
No transforman, ni cambian nada
sólo se atreven a navegar
Distraídos por lapsos del tiempo

La exactitud siquiera saben
Si me vienen a decir algo sobre yo
Y, como una voz que clama en el desierto
Que estoy recibiendo más sordos a lo que me grito.

O monótono poema da espera



{Se o poema é campo de espera,
é em mim que plantas teus versos.}

Enquanto resplandecia um opaco sol de arremedo, era parida à exaustão uma melancólica manhã de outono, sem ânimo, vontade ou expectativa.

Também trazia, em seu cordão umbilical, uma réstia de luz, mais fria que as sombras. Seu corte fez-se com os dentes, que também eram frios.

Faminta, era dada a alimentar-se do sumo das heras e do limo das encostas. Ruminava pedras, folhas mortas e o pó dos caminhos abandonados e esquecidos.

Quase em desespero, abraçou o meu peito, um manto árido com cicatrizes de arado, e salpicou-lhe um copioso substrato de restos de amargura e sorrisos em estado de decomposição.

Chegada a estação das chuvas e dos prantos sufocados, germinou a tímida árvore do silêncio, com tronco de esqueleto frágil e braços sem vida, de onde pendiam frutos de um verde vazio e distante, com gosto de nada.

{Se o poema foi um campo de espera,
foi em tua sombra que sepultei ilusões.}


Provérbios



PRESUMI o engano de amanhã, é o que tenho de certo hoje.

E vi louvarem a boca e os lábios do estranho, mas estrangeira, minha língua, esteve muda.

E arremessei a pedra na cabeça do insensato e soterrei sua ira com o peso da areia.

Mas meu amor aberto encobre toda repreensão.

E meu beijo de amor fiel é um engano e abre feridas de aborrecimento.

Minha alma faminta acha o mel amargo, já à farta até o favo é um doce.

Sou ave que vagueia longe, pois já não sei o meu lugar.

Trouxe óleo e perfume para meu amigo doente, pois meu coração cordial não conhece conselhos.

Abandonei meu pai e meu irmão e, amigavelmente, entrei na casa de meu adversário, pois ele está sempre mais perto que meu irmão.

Pai, perdoe-me a falta de sabedoria e alegre teu coração com o silêncio ante o desprezo.

Sussurrei calúnias ao meu amigo, mas o maldito dormia no frescor da tarde.

Banhei-me na ladainha da mulher rixosa tal como se me afogasse no dilúvio

Contive o óleo, enquanto o vento acometia minha destra.

Agucei o rosto de meu inimigo com o ferro afiado.

Comi o fruto da figueira, enquanto o guarda velava a honra de seu senhor.

Deitei minha sombra na secura da areia, pois meu coração é tão tosco quanto eu mesmo sou.

Meus olhos não se satisfazem com a perdição, da qual no inferno há fartura.

Fui provado no crisol e no forno e dei prata e ouro em louvores.

Pisei a mão do tolo como a um gral de grãos de cevada pilados e tomei para mim a sua estultícia.

Saciei a fome de minhas ovelhas com o fruto de meu coração.

Nunca tive riqueza por saber que minha coroa é de outra geração.

Ajuntei as ervas dos montes, mas perdi os renovos pelo caminho. 





Primeira Noção de Tudo

DEUS


{Assim mesmo:
- sem travessão,
- sem aspas,
- sem minúsculas,
- sem grifo,
- sem sublinhado,
- sem itálico,
- sem ponto final,
vírgula,
asterisco
ou reticências.}

Versos rasos

{Para Jairo Batista,
que acha que meus versos são curtos demais}


Eu achava que tamanho tinha a ver com poesia,
eu não sei.

{Oswaldo MONTENEGRO, in Drops de Hortelã}



Arraso meu verso baixo,
pois é tão rasa, a sua profundidade.

Ralo meu texto curto,
pois é tão rala, a sua altura.

Abrevio minha palavra estanque,
pois é tão breve, o seu alcance.

Intimido minha voz opaca,
pois tão tímida, a sua magnitude.

Mas ainda curto meus versos curtos,
e mais, sei, eu não consigo,
e por isto mesmo é tão pouco,
aquilo que pouco digo.

Quase palavra

Ao "quase poeta", Rafael Rosa. 

Cadente estrela, quase palavra,
de uma tangência nem sempre reta,
segue distante, quase um abraço
aquele que se diz um "quase poeta".

Dualidade

"Que meu peito seja um campo aberto, onde possam pastar, 
saciar-se e galoparem apenas as centelhas do bem e que 
não prospere o mal, na ausência de zelo ea tenção de fortuitas manhãs."

(à maneira de um evangelho ou de uma orientação doutrinária)

Não vos surpreendeis nem vos entristeceis, se por acaso vós encontrardes o mal escondido em algum canto obscuro de vosso coração.

Ao contrário, apressai-vos em identificá-lo, então combatei-o, sufocai-o, matai-o por inanição e, ao final, orgulhai-vos por tê-lo derrotado!

Sim, o mal e o bem coabitam em vosso íntimo e somente sobrevive e revigora-se aquele que for regularmente alimentado.

Oração dos bons atos

Antes de proferir a oração das palavras, que vossos dias sejam coroados pela oração dos bons atos.

Que a mecânica do dizer tenha menos intensidade do que o anseio de fazer o bem que há de brotar de vossos corações.

Praticai, pois, o evangelho de fazer o bem e muitas vezes as palavras cumprirão apenas uma mera redundância.

Vários corações para uma dor

"A dor solitária é mais perversa do que a soma de dores 
de todos os corações ligados pela mesma causa."

(à maneira de um provérbio ou de uma orientação doutrinária)

A dor de um, que é comum a vários, é como se fosse um elo. O entrelaçamento e soma de todos esses elos, torna forte a corrente de ligação entre os corações afetados.

Já aquele que sofre solitariamente, experimenta o desconforto da vulnerabilidade e o amargor do desaconchego.

Que tenhais a sensibilidade e compaixão de orardes pelos infortúnios dos solitários e desconhecidos, para que, no plano superior, vossas orações possam encontrarem-se em uma corrente de amparo e aconchego a diversos corações que experimentam o açoite do vento gelado das aflições solitárias.

Arte & Ofício de perdoar



No campo de vossa memória, pasta o rebanho de todas as faltas que foram cometidas contra vós.

Embora deva ser firme como o ferro, que vosso perdão não seja incandescente nem tenha o calor da brasa e que não seja usado para marcar o pelo de vossas contrariedades.

Porque a marca é a marca e, ainda que cicatrize, rompe com dor a retina do esquecimento.

Que seja vosso perdão sereno como a brisa, mas denso o suficiente para cobrir-lhe a visão sobre todas as coisas que vos afligem.

Do espelho, os cacos







Billie Jean by Chris Cornell



(para a fantasia de Raquel)

Sólida figura, um mosaico real abstrato,
onde palavras engendravam sentimentos,
destilando amargo com dom de mel:
- Na fantasia, sorrisos que eram risos.

Sei teus ardis, uma princesa louca,
enquanto eu, tolo brinquedo de colecionar,
inda lembro de um verso, ode reverso:
- Quero-te e me quero em ti.

Somem os reflexos,
comprimo apenas os cacos
e, com cara de espanto e decepção,
como quem identifica o fogo amigo, expludo:
- Às vezes a felicidade é apenas uma ilusão dos medíocres.



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Do espelho, os cacos de Carlos Couto é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-No Derivative Works 3.0 Brasil.
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O dom de rejeitar o bom da vida




Steel Wind by Chris Cornell

 
 
Refugou a carne da fruta
e cuspiu com desprezo o mel, 
que era o sumo.

Então comeu as cascas,
também o bagaço, fibras
e a medula das sementes.

Teve o melhor nas mãos,
mas praguejou
contra o amargo que escolheu.

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Poemas de um mar inventado

Desenhos de um mar inventado,
são náufragos, esboços que flutuam
ora rasuras, então são marinheiros reflexivos
e um vazio com gosto de maresia:
- a sede de minha mão são palavras de papel.

Enauseado, abstraio rotas imprecisas,
cantam sereias, iludo-me por que quero
e um farol, resplandece-me um lume opaco,
sei onde aporto, o revés de um canto solitário:
- melancolia é um cais de indiferença. 

Canto de amor e desespero



Sua juventude é ruidosa, ela não ouve.
(À maneira de Mme. de Sévigné)


Eu tratarei de tua sede
com o vigor de uma torrente,
e cuidarei de tua fome
com a fúria de uma avalalanche.

E plenos serão teus dias
e fartas as respostas aos teus desejos
que, se eu não conseguir satisfazê-la,
então não é amor o que te sacia.


Ofício de pescar, oração de boa ventura



Oração de benção, prece de boa ventura,
a benção veio...
Júbilo, no meio da pescaria.

Mais claro que o sol, o sol,
claro, mais claro que outros dias,
tão claro quanto o olho do peixe.

Dia claro nas águas claras
que o brilho do anzol
refletiu na íris do peixe.

Assustado, o peixe fugiu.
Assustado, o cardume,
disperso como flechas sem direção.

A benção veio, boa ventura.
A benção dessa vez
veio, mas para os peixes.

Descartes, o pensamento e a pedra de existir



1.
Penso:
- sou pedra,
logo,
- triste e demente,
existo.

2.
Vejo a pedra,
oca de abstrações,
ela não pensa,
mas eu sei que ela existe.

3.
Quem pensa que é pedra,
existe,
e pedra, que não pensa,
também.

Um cântico triste e uma prece



Dê-nos o bem, quer nós o peçamos, quer não, e afaste de nós os males, 
assim que o pedirmos." - "Essa oração parece-me bela e certa. 
Se encontrares nela coisa repreensível, não esconda".

Platão


Há um caminho, abandonado e perdido,
na longa noite, com o pavor das tempestades,
e também um grito, de silenciosa maldade.

Fantasmas de pedra, espíritos hostis,
choram crianças, cães e um desespero,
e tanta dor que se arrasta no vazio.

Na solitude, amargura dos humildes
famintos, errantes vagueiam,
há no caminho, angústia e desespero.

Mesmo triste, ensaio uma prece:
- Que Deus afaste do coração dos seres de bem,
o sofrimento e, de seus caminhos, o mal.

O dom do vento em Gibraltar



- a voz rouca de um golfinho
 
Lançou-se como um golfinho,
o vento, na medula branca do mar

tingindo de espuma, o longe
como o promontório no dorso de Gibraltar.

Postam-se à mesa conchas e búzios
e inauguram o sagrado momento de contemplar

é que o espírito do vento, assim como o golfinho
também possui o dom de cantar.

É preciso saber o mar


- mergulhar no rebatismo

Contemplo o voo
que vem de dentro das gaivotas

e é doce contemplar o mar
o gosto da brisa flutua,
entorpece, embriaga,
reestabelece a sobriedade.

Raso, arrisco um mergulho:

- é preciso lavar o corpo por dentro;
- é preciso renovar o batismo;
- é preciso saber o mar
por dentro e para fora dos sentidos.

BULA POETRIX

O hai-kai é uma pérola; o poetrix é uma pílula.
Goulart Gomes

 
Em 2009 o POETRIX completa 10 anos de criação. Nesse período ele obteve uma significativa propagação no Brasil, Portugal e em outros países de língua latina.

Com o objetivo de melhor defini-lo, estabelecendo critérios quanto à sua forma e conteúdo que possam orientar mais precisamente os seus autores - os poetrixtas – a Coordenação Geral do Movimento Internacional Poetrix (MIP) divulga, agora, esta BULA POETRIX, conjunto de orientações para o aperfeiçoamento e uniformização desse gênero literário.


1 POETRIX – Informações Técnicas


CONCEITO
 
Poetrix (s.m.): poema com um máximo de trinta sílabas métricas, distribuídas em apenas uma estrofe, com três versos (terceto) e título.



FORMAS MÚLTIPLAS

São criadas em contextos comunicativos e constituídas como derivações do POETRIX; sua elaboração tem como características básicas o dialogismo, a intertextualidade e a polissemia da linguagem. Identificadas e reconhecidas pelo MIP como Duplix, Triplix e Multiplix são mesclagens de dois ou mais poetrix que se compõem com a participação obrigatória de variados autores e com suas poéticas formando sentidos complementares entre si (individualidade-interação-universalidade). 
 



2 CARACTERÍSTICAS DO POETRIX

2.1      O poetrix é minimalista, ou seja, procura transmitir a mais completa mensagem em um menor número possível de palavras e sílabas.
2.2      O título é indispensável. Ele complementa e dá significado ao texto. Por não entrar na contagem de sílabas, permite diversas possibilidades ao autor.
2.3      Não existe rigor quanto à métrica ou rimas, mas o ritmo e a exploração da sonoridade das sílabas é desejável.
2.4      Metáforas e outras figuras de linguagem, assim como neologismos, devem ser elementos constitutivos do poetrix.
2.5      É essencial que haja uma interação autor/leitor provocada por mensagens subliminares ou lacunas textuais.
2.6      Os tempos verbais – pretérito, presente e futuro - podem ser utilizados indistintamente.
2.7      O autor, as personagens e o fato observado podem interagir criando, inclusive, condições supra-reais, cômicas ou ilógicas (nonsense).
2.8      O poetrix deve promover a multiplicidade de sentidos e/ou emoções, não se atendo necessariamente a um único significado.



3 COMPOSIÇÃO

O POETRIX deve ser composto por ao menos um dos seguintes elementos, inspirados nas Seis Propostas para o Próximo Milênio, de Ítalo Calvino:


3.1      CONCISÃO: o mínimo é o máximo. O importante é dizer muito, falando pouco. O poetrix é uma pílula, que tem seu propósito determinado; é um projétil em direção ao alvo;
3.2      SALTO: é a metamorfose da idéia inicial, provocada no segundo ou terceiro verso da estrofe, acrescida de outros significados, permitindo uma nova perspectiva de compreensão do poetrix;
3.3      SUSTO: é o elemento inusitado e imprevisível que provoca surpresa ao leitor; é a fuga do lugar-comum, da obviedade, que desconstrói e amplia horizontes, mostrando outros caminhos, possibilidades, contextos;
3.4      SEMÂNTICA: exploração da polissemia de determinadas palavras ou expressões, permitindo a possibilidade de variadas leituras ou interpretações;
3.5      LEVEZA: jeito multifacetado de utilização da linguagem. Nesse sentido, o uso de imagens sutis deve trazer leveza, precisão e determinação ao poetrix e, com isso, provocar, no leitor, a abertura de renovadas construções mentais impregnadas de imprecisões e indeterminações, de novas possibilidades de interpretar a realidade, de desanuviar a opacidade do mundo.
3.6      RAPIDEZ: máxima concentração da poesia e do pensamento; agilidade, mobilidade, desenvoltura; busca da frase em que todos os elementos sejam insubstituíveis, do encontro de sons e conceitos que sejam os mais eficazes e densos de significado;
3.7      EXATIDÃO: busca de uma linguagem que seja a mais precisa possível como léxico e em sua capacidade de traduzir as nuanças do pensamento e da imaginação;
3.8      VISIBILIDADE: qualidade de expressar e pensar imagens, colocando visões em foco; reflexo da qualidade imagética do poetrix, em cor, sombra, contorno e perspectiva; é o substantivar da poesia;
3.9      MULTIPLICIDADE: expressão da pluralidade de possibilidades intertextuais e polissêmicas, provocando interações e criando novas formas;
3.10CONSISTÊNCIA: através da fuga das obviedades, dos lugares-comuns, buscando expressar-se de forma original. O poetrix rompe, naturalmente, com antigos esquemas simplificantes e reducionistas e investe num sistema complexo, cujas categorias são opostas à simplicidade: a complexidade, a desordem e a caoticidade, próprias de sistemas não-lineares, capazes de realizar trocas com o meio envolvente.



4 INDICAÇÕES:


4.1       EXPLORAR O PODER DO TÍTULO,. para o qual não há limite de sílabas. Uma das grandes vantagens do poetrix é a existência do título, que habitualmente não existe no hai-kai .

4.2       MINIMALIZAR. Eliminar todas as palavras que estão sobrando. Escrever um poetrix é lapidar um diamante. Raramente um texto está pronto em sua primeira versão. É necessário, sempre, aprimorá-lo.

4.3       PESQUISAR. Uma idéia original pode ser enriquecida com informações complementares, ampliando-a em conteúdo e significado.

4.4 UTILIZAR FIGURAS DE LINGUAGEM. Em todas as formas poéticas, o uso de figuras de linguagem, metáforas, tropos e imagens enriquecem bastante o texto.

4.5       PERMITIR QUE O NÃO-DITO FALE. Evite menosprezar a inteligência e a perspicácia do leitor. O poetrix deve instigá-lo a buscar significados nas entrelinhas, a descobrir outros contextos e sentidos.



5 CONTRA-INDICAÇÕES:

5.1      EVITAR AS ORAÇÕES COORDENADAS. Um poetrix não é uma frase fragmentada em três partes.

5.2      NÃO CONFUNDIR POETRIX COM HAI-KAI. Para isso, é importante conhecer, também, os fundamentos do hai-kai, que tem suas próprias características.

5.3      CONJUNÇÕES EMPOBRECEM O POETRIX: mas, contudo, porém, todavia, não obstante, entretanto, no entanto, pois, geralmente não servem para nada em um poetrix, podendo ser eliminadas sem prejudicar o texto.

5.4      NÃO FORÇAR RIMAS. Poetrix não é trova. Às vezes pode-se dispensar completamente uma rima utilizando-se bem o ritmo, a sonoridade e a riqueza semântica das palavras.

5.5      POETRIX NÃO É PROVÉRBIO, MUITO MENOS DEFINIÇÃO. Muito menos, frase de parachoque de caminhão.


Coordenação Geral do Movimento Intenacional Poetrix
Brasil, Janeiro de 2009

Versão 1.2 - Janeiro/2010

Leia, também, o texto FORMAS MÚLTIPLAS - DEFINIÇÕES.

(participe do Grupo Virtual Poetrix enviando um e-mail para: 

poetrix-subscribe@yahoogrupos.com.br

Outros contatos: movimentopoetrix@hotmail.com


Movimento Poetrix

Grafia de um espelho sonhado



- baseado em fatos verídicos

Acordei no meio do sonho. Mas como posso dizer que era meio de sonho, se não sei quanto tempo mais ele duraria?

Mas lá estava eu, no meio do sonho, bem no seu núcleo, na sua cerne,
acordado, enquanto dormia.

Era um sonho, não poderia haver lógica e, por mais que eu entendesse as palavras, os diálogos não poderiam encerrar nexo algum.

O tempo era incogitável. Peso, gosto... essas coisas, também eram referências irrelevantes.

Parecia haver cor, embora o sombrio predominasse, e o som era calmo, como geralmente nunca é.

Então lembro de ter visto um espelho empoeirado em um canto qualquer,
aproximei-me e consegui ler uma frase rabiscada com o dedo:

"Ser derrotado não é perder, é desistir".

E já ali, dentro do sonho, eu sabia que essa mensagem tinha forte e direta ligação com a vida de meu filho.

Acordei e nunca desisti, 
nunca esqueci o sonho, o espelho...

O batismo do vento


- o menino assustado e seu sorriso tímido


Trouxe batismo, a tempestade,
e a tarde tingiu-se de um minério acinzentado.

Ventos castravam as copas e os cismos
e arpões de raios fisgavam as retinas dos rios.

Mas então, assim como veio, afastou-se
o vento e o bramir das inquietudes,

deixando para trás um campo em desalinho,
algumas casas e uma pedra de silêncio.

Ainda assustado, um menino espiava
pela franja do espanto,

enquanto amolava a lâmina do sorriso
no dorso de um tímido arco-íris.

Um anjo na visão da paisagem


- o sol no lugar do coração

Taciturno, melancólico, o velho camponês
herdou o ofício de salpicar sementes na espuma da manhã.

Cansado, agora engole a aridez das pedras
e o amargor das relvas sem vida.

Com o dorso curvado, como o movimento da poeira entre os dias,
arrisca uma prece, com escassa réstia de esperança,

e então seus olhos, dois pássaros confusos e perdidos,
abraçam a figura de um milagre:

- Um menino, com um sol no lugar do coração,
aproxima-se e sorri, iluminando o pomar,

e seu hálito tem o poder das chuvas
e sua palavra é uma benção de fartura.

Brotam então novos dias e a ordem das coisas
experimenta a comunhão com o sagrado. 

Anotações para um concerto noturno, a céu aberto


- grafite feito com a sombra das árvores

A brisa é uma miragem do vento,
enquanto cintila a noite com seus semitons.

Entre carvalhos e paineiras, o espírito da lua
tece um canto com fios e adornos de nostalgia.

Grilos, sapos, corujas e pardais
ensaiam versos de jejuar com o silêncio.

Sorriem azaléias e amoras
gotejam sangue no humo ainda aquecido.

E o rio, que é um espelho,
traz estrelas com sede de ouvir.

Minha mão cobre os pássaros



- longe é o sonho

Uma revoada, vista sob a luz do céu,
é um cardume em um mar de azul mais profundo.

Longe é o que minha mão não alcança
e nem meu sonho consegue conter.

Mas ainda assim,
gosto de contemplar o longe.

Estendo meu braço
e minha mão tem o dom de cobrir o sonho,

e quando cobre os pássaros,
cobre também os peixes.

Um evangelho rabiscado na areia


- a brisa entre o mar e as dunas

O dedo de um anjo
rabisca o Evangelho na areia

e outro anjo sorri, sentado na brisa,
ao norte das dunas.

E nasce em nós agora essa brisa
lambendo a casca da infância

como um pedaço do vento
que sempre existiu entre o mar e as dunas.

Um menino fugindo devagar







 - para Nelson Ribeiro Coelho

Ofereço o ombro e uma prece para meu pai,
este menino que agora vejo partindo.

Foi longo e inquieto o leito do tempo,
mas agora é tudo tão breve

e as lembranças são como vento
escorrendo entre os juncos.

Os olhos são tristes. A voz rouca balbucia um lamento,
a tosse é uma queixa disfarçada.

De barro, o arco das pernas e uma fuga sem pressa,
cerzida nas longas noites sem sono.

Meu pai é um velho menino e está partindo para a paz
que ele inventou para si mesmo.

onde o mar e o tempo


onde o mar, eu flutuo.
Estou acelerado,
então o tempo... recuo.

Onde o mar, eu navego.
Estou consumado,
então o tempo... me nego.

Onde o mar, eu sonho.
Estou fragmentado,
então o tempo... me recomponho

Onde o mar, eu reflito.
Estou amordaçado,
então o tempo... grito.
 
Onde o mar, eu enjoo.
Estou ancorado,
então o tempo... lanço-me no voo.

Onde o mar, eu naufrago.
Estou desequilibrado,
então o tempo... me embriago

Onde o mar, eu me jogo.
Estou angustiado,
então o tempo... me afogo

Onde o mar, eu afundo.
Estou cansado,
então o tempo... abandono o mundo.


ser indução


Seres mulheres,
serpentes, ser gente.

Línguas, dizeres,
salivam prazeres.

O sublime, sublima,
e tem dom de domínio.

Faz sina, maquina,
fascina o fascínio.

Enquanto induz, atrai;
e então distrai e seduz.

sadim


Sou um revés de midas,
bizarra magia em mãos de barro.

Onde toco nada reluz.
Onde toco, não desenho o tempo.

E, onde toco sementes,
brotam florestas de tocos.